quinta-feira, 8 de agosto de 2013

VOLTE COMIGO AOS ANOS 70

Hits Brazil

Nos dias de hoje, onde uma banda lança uma música e, em questão de minutos, ela corre o mundo todo via Internet, é quase inconcebível que, há poucas décadas, as gravadoras sediadas no Brasil demoravam meses para lançarem músicas que estavam estourando no mercado internacional, tanto que os DJ’s das rádios precisavam ter contatos com quem viajasse constantemente para o exterior para ter acesso a tais músicas. Não era incomum que radialistas ou músicos apelassem para aquele amigo piloto da Varig para ter em mãos o mais recente lançamento de sua banda preferida e suprir a juventude de então, que embalada pela euforia do milagre econômico, procurava se identificar com um som mais moderno, mais “prafrentex”.
Em suma, havia uma demanda comercial por músicas “internacionais”, nem sempre atendida a contento pelas gravadoras que detinham os direitos de publicação aqui na Terra Brasilis. E tal demanda foi satisfeita em boa parte graças a nossa capacidade inerente de improvisar e adequar, nosso famoso “jeitinho”. Sim, nós mesmos começamos a produzir localmente músicas em inglês, vendidas como se, de fato, fossem legítimo artigo cultural importado. E não se limitavam a simples “covers” de bandas mundialmente consagradas, pois em diversos casos se compunha e gravava no idioma de Shakespeare, usando pseudônimos igualmente inspirados, e por vezes até se exportava o sucesso. Um misto de improviso, criatividade e cara de pau, já que os produtores e gravadoras procuravam ocultar do público que tais músicas eram compostas e cantadas por brasileiros, temendo que o encanto se quebrasse e o público não os consumisse. Esse movimento musical ficou posteriormente conhecido como “Hits Brasil”, movimento esse que é pouco lembrado quando se fala da história recente da nossa música popular, algo tão interessante e fascinante quanto movimentos como a Bossa Nova, Tropicália ou a Jovem Guarda, mas que não costuma ser tão levado a sério. Isso foi em parte sanado pelo lançamento ano passado do livro “Hits Brasil – Sucessos ‘Estrangeiros’ Made in Brazil”, de Fernando Carneiro de Campos. Pela leitura do livro, percebemos que o autor é um apaixonado pelo tema e um saudosista de mão cheia, e que não poupou esforços em coletar material ao longo dos últimos anos e de correr atrás de entrevistar os inúmeros protagonistas dessa fase divertida e pitoresca. O autor preferiu dividir o livro de tal forma que cada capítulo trata de uma banda ou artista específico, além de ser dividido em duas partes.

A Era de Ouro das Domingueiras

Na primeira parte Fernando Carneiro explora a história das bandas que fizeram sucesso nas “domingueiras” nos clubes paulistas, o verdadeiro embrião desse movimento. Nas “domingueiras”,  bandas locais tocavam os sucessos internacionais para a diversão da juventude, algo comum nos anos 60 e 70, mas que entrou em declínio no fim dos anos 70 e início dos 80, com a ascenção da Disco Music, seguido do “boom” do Rock Nacional. Nesses bons tempos, os principais clubes eram o Círculo Militar, o Esporte Clube Pinheiros e o Harmonia, mas haviam diversos desses clubes em São Paulo e em outras cidades do Estado. E adolescentes da classe média passaram a montar bandas para se apresentar nessas “domingueiras”, cantando covers de bandas badaladas de então: Beatles, Creedence, Animals, Kinks, The Who, em um longo etc.  Numa época na qual o idioma inglês estava longe de ser facilmente dominado pelos jovens, as bandas precisavam se equilibrar entre a mera repetição da pronúncia dos originais ou o bom e velho “embromation”, mesmo. Isso quando não tinham a sorte de ter como vocalista alguém com um mínimo de domínio do idioma. Por exemplo, há uma curiosa história sobre o Pholhas: seus integrantes admitiram que, no início, eles utilizavam um bizarro método para compor suas músicas, que consistia em usar frases soltas de um livro intitulado “inglês sem mestre”.
Essa primeira parte do livro pode ser um pouco confusa, dado a quantidade de personagens envolvidos. Formada por jovens que dividiam o tempo livre dos estudos para ensaiar e se apresentar, a maioria das bandas teve vida curta, já que muitos de seus componentes logo entravam em alguma faculdade e priorizavam a vida acadêmica. Algumas até ensaiavam voos mais longos, mas acabavam abortados por problemas entre os componentes, falta de maturidade ou orientação no meio profissional. Para os que frequentaram essas “domingueiras”, nomes como Watt 69, Código 90, Lee Jackson, Loupha, Pholhas, Memphis não deve soar estranho e certamente traz boas lembranças. Muitos chegaram a gravar discos, a maioria em inglês mesmo, e em alguns casos preenchiam a lacuna das gravadoras, lançando o cover de algum sucesso estrangeiro que tocava bem em rádios mas que a gravadora ainda não podia lançar o original, por um motivo ou outro. Há divertidas histórias de como os jovens, a maioria sem grande poder aquisitivo para adquirir os caríssimos equipamentos de ponta, conseguiam emular o som e os efeitos sonoros das gravações originais na base de improviso e de equipamentos caseiros, com destaque para os The Buttons, tanto que um de seus componentes era apelidado de “Professor Pardal”.

Oldies Goldies Made in Brazil

Na segunda parte do livro, o autor foca nos artistas do movimento que conseguiram dar um passo além ao serem gravados e se tornarem conhecidos nacionalmente, e em alguns casos, internacionalmente. Não duvido que, até hoje, haja quem jure de pés juntos que os nomes que citarei a seguir eram de consagrados artistas estrangeiros: Dave MacLean, Terry Winter, Paul Bryan, Light Reflections, Morris Albert,  e Patrick Dimon. Bem, Patrick Dimon é grego, mas acabou caindo de pára-quedas no movimento e se tornou praticamente um brasileiro, fazendo sucesso com “Pigeon Without a Dove”, inspirada na melodia da ópera “O Guarani”. No mais, os outros são pseudônimos de artistas brasileiros que gravaram diversos sucessos em inglês, aproveitando o modismo. Nos anos 70 e início dos anos 80, muitos desses cantores eram presença garantida em programas de auditório populares, como o Cassino do Chacrinha, o de Flávio Cavalcanti ou o  Clube do Bolinha, além de terem músicas em trilhas sonoras de novelas.O maior expoente do movimento foi o carioca Maurício Alberto Kaiserman, que adotou o pseudônimo de Morris Albert e se tornou mundialmente famoso pela música “Feelings”, uma balada romântica despretensiosa que se tornou um “standart” da música americana, recebendo inúmeras versões de artistas tão díspares quanto Nina Simone ou The Offspring, além de um processo por plágio (que o autor nega até hoje). Mesmo sem o alcance do colega Morris Albert, os demais conseguiram um sucesso no cenário pop brazuca, e quem tem por volta de 40 anos é quase certo já ter ouvido algumas de suas músicas, mesmo que casualmente. A banda Light Reflections ficou famoso por “Tell me a Once Again”, que nos anos 80 foi parodiada por Ney Matogrosso com a hilária “Calúnias”, mais conhecida pelo refrão “Telma eu Não Sou Gay”. José Carlos Gonzalez, ou Dave MacLean, era o cantor de “We Said Goodbye”, e Terry Winter, um descendente de ingleses que se chamava Thomas Willian Standen estourou com “Summer Holliday”, só para ficar nos exemplos mais notórios.
Como qualquer modismo musical, os ventos mudaram, e as domingueiras foram substituídas pelas discotecas, decretando o fim da época de ouro das bandas que lá tocavam. A Disco Music, o Rock Br e outras tendências  também tomaram o lugar das baladas românticas no espaço do dial. Ao fim do movimento, a maioria de seus expoentes acabou ainda trabalhando no meio musical, seja produzindo outros artistas ou servindo de banda de apoio. Muitas das bandas da época das domingueiras passou a se reunir para tocar em sessões nostálgicas. Uns poucos conseguiram ser bem sucedidos cantando em português, mesmo. Dudu França, que fez parte das bandas Colt 45 e Memphis, faria sucesso com o hit “Grilo na Cuca” e, após um período de sucesso na primeira metade dos anos 80, se dedicaria ao mercado de jingles. Um tal de Mark Davis, sucesso com “Don’t Let me Cry” e que vivia fugindo dos repórteres que queriam entrevistar aquela atração internacional, acaba se tornando galã de novela e cantor de músicas românticas em português, mas passa a usar o nome de Fábio Jr. Chrystian, que fez sucesso com “Lies” e “Don’t Say Goodbye”,  forma a dupla sertaneja Chrystian e Ralf.  E, claro, há quem ainda esteja na estrada até hoje. O próprio Morris Albert hoje vive na Itália, e seu último disco gravado, “Moods”, é de 2003. Como seu maior sucesso foi publicado nos EUA, os direitos sobre essa música lhe garantem uma boa grana, mesmo após ceder 25% dada a sentença do processo de plágio. Os Pholhas ainda fazem shows Brasil afora. O carismático grego naturalizado brasileiro Patrick Dimon ainda se apresenta em hotéis e cruzeiros na Grécia.
Para os curiosos com esse capítulo peculiar da música brasileira ou os saudosistas que querem matar a sede por informação sobre essa época, recomendemos que procurem as gravações dos artistas do movimento. Encontrar os discos originais é tarefa de colecionador, que precisa trocar tapas em sebos pra adquirir exemplares raros. Em CD é mais fácil encontrar tais músicas em coletâneas. No fim dos anos 80 a RGE e o SBT lançaram a coleção “Hits Brasil” em 4 volumes, e mais recentemente a Som Livre lançou uma coleção nos mesmos moldes, a “Hits Again”. E, obviamente, garimpando-se no Youtube, facilmente se encontra alguma música, além das que linkamos no decorrer do texto. Quanto ao livro, apesar de ser lançamento recente, você não o verá em livrarias reais ou virtuais, pois foi lançado pelo Clube dos Autores, que trabalha com  o curioso método de impressão por demanda. Ou seja, você solicita, eles imprimem e te enviam. Minha ressalva é que há alguns erros na impressão que denotam a falta de uma boa revisão, que eliminaria eventuais erros de digitação, frases ou palavras repetidas ou coisas do gênero, mas nada que prejudique a leitura, principalmente se você tem curiosidade sobre o tema.

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Aproveite e dê uma olhadinha

 

 

Um comentário:

  1. Fernando Carneiro de Campos13 de dezembro de 2016 às 05:02

    Adorei a reportagem. Quem a escreveu certamente também é fã dessas músicas, e possui uma percepção muito aguda. Parabéns. Ele resumiu de maneira brilhante o que se pasava. Eu me envolvi mesmo nessa pesquisa, que resgata uma parte praticamente esquecida da história de nossa música. Fico contente que aesar de pequenos defeitos, que venho corrigindo a medida em que os localizo. Agradeço os elogios.
    Um abraço.

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